domingo, 9 de noviembre de 2014

Sobre as promessas

Desde criança, quando via sua mãe com esta expressão, sabia que algo muito sério estava prestes a acontecer. Hoje, diferente das outras vezes, não se sentia angustiado, ao contrário, observava sua mãe com um carinho que há tempos não sentia. Talvez o tempo tivesse passado, ele não era mais uma criança e ela já era uma senhora de oitenta anos. Era ela uma mulher bonita, apesar de muito pouco vaidosa, quase não se arrumava. Se maquiar? Somente em ocasiões muito especiais. Tinha sempre um ar sério, rara vezes lhe viu sorrir. E era lindo quando ela sorria! Lindo. Não sabia, então, por que sua mãe lhe chamara com tanta urgência, sabia que se tratava de algo especial, pois ela até se maquiara.
Apesar de nunca ter-lhe dito, ela se emocionava sempre ao vê-lo ali parado, calado, somente a observá-la. Tinha um olhar tão doce seu filho. Um olhar de tantos quereres. De tantos sonhos. Agora, mesmo já sendo um homem de cinquenta anos, não tinha perdido esse  olhar. Mesmo tendo durante a sua vida recebido tantos "nãos" continuava com o sonho no olhar. Doía-lhe a alma sempre que lembrava do tempo que não esteve com ele. Tinha que trabalhar muito durante a semana, mal se viam e no fim de semana estava cansada e ainda tinha os afazeres domésticos. Assim, não sobrava tempo para brincar com ele, para se divertir juntos. Sabia que o tempo tinha passado, mas sabia também da importância de se reconstruir histórias. Suas histórias. Por isso o  chamara em sua casa, precisava se permitir realizar um sonho dele que ela sempre negara. E como há muito tempo não fazia, o tomou pela mão, beijou sua testa e o convidou para passear.
Aonde sua mãe o estaria levando? Não sabia. Mas gostou da ideia de sair assim, somente os dois a caminhar sem destino. No caminho ia lembrando quando era criança e das raras vezes que se permitiram sair assim a passear. Ela sempre que podia lhe levava ao parque de diversão que todo ano se armava no bairro para a festa da padroeira, para ele era o momento mais feliz de sua vida, apesar de nunca ter podido brincar na roda gigante. Era tão mágico aquele brinquedo, aquelas luzes, aquela roda a girar. Ficava horas a observá-la. Era o seu brinquedo preferido, mas era proibido. Não entendia porque a sua mãe achava perigoso algo tão belo. E como era obediente, apenas aceitava calado a imposição de sua mãe.
Lamentava ela,  não ter podido levá-lo a brincar na roda gigante quando menino, sempre dizia que era porque era perigoso, mas a verdade é que não tinha dinheiro o suficiente, o dinheiro que tinha só dava para pagar os brinquedos mais baratos. Mas, hoje não. Hoje, ela faria diferente. Com um leve sorriso no rosto, sem que ele imaginasse, o estava levando para a um parque de diversão, precisava ainda em vida, permiti-lhe dar uma volta na roda gigante, precisava viver isso com ele.
Uma lágrima caiu de seus olhos ao se ver diante de um parque de diversão. Seu coração batia acelerado somente ao pressentir o que ia lhe acontecer. Sua mãe, decidida o levou até a roda gigante e o convidou a subir. Neste momento não era mais o homem de cinquenta anos, e sim o menino que tantas vezes sonhou estar ali. Segurado da mão de sua mãe, viveu o momento mais  ansiado de sua vida: a roda começou a girar e com ela todos os seus nãos giravam também e se transformavam em sim.  Que maravilhoso era estar ali. Sentir o vento em seu rosto, ver tudo lá do alto. Sorria. Sorria muito. Experimentou pela primeira vez em sua vida a Felicidade. Era feliz. Era imensamente feliz. Abraçou sua mãe e ficou assim dentro desse abraco,simplesmente sendo com ela.
Não conseguia falar, a emoção de seu filho era tanta, que ela não conseguia falar. Somente sentia. E foi nesse sentir-se com ele que ela fechou os olhos e entregou-se a imensidão de Ser. E assim, abraçada a seu filho como uma menina ao pai, ela foi se permitindo ir-se. Girando, sorrindo, feliz. Parecia até que dormia.