viernes, 7 de febrero de 2020

Dizeres

Há tempos se conheciam. Se sabiam desde a palavra. Da palavra escrita. Ela, a palavra, permitia o sentir. O estar próximo. O toque. Sim, o toque. Se tocavam desde a palavra. Toques suaves, sensuais. Não se sabiam de outras maneiras. Imaginavam como seria o cheiro um do outro. Como seria a voz. Como seria a palavra falada. Esse não saber, os envolvia em um mistério quase erótico. Numa doce obsessão do querer mais. Num desejo imenso de se revelar. De se dar ao outro. De se dizer.
Em uma noite chuvosa, ela precipitou-se a ele e, num ato de coragem, decidiu revelar-se. Revelar-se da maneira mais bela que um Ser pode mostrar-se a outro: leria para ele uma Poesia.
Trêmula, pegou o livro e se pôs diante do computador. E, sentindo-se completamente nua, leu para ele numa profunda entrega. Num profundo gozo:

"Lo que me gusta de tu cuerpo es el sexo.
Lo que me gusta de tu sexo es la boca.
Lo que me gusta de tu boca es la lengua.
Lo que me gusta de tu lengua es la palabra."
                                             (Julio Cortázar)