jueves, 19 de noviembre de 2020

Sobre Perder-se

Era noite. A lua era um convite a se perder. A ir-se. Percorrer lugares jamais visitados. Diante do espelho, ela termina de passar seu batom vermelho, tendo a certeza na alma que lhe era chegado o momento que tanto negou, mas que hoje era impossível negar: o convite da lua a se perder. Fechou os olhos e partiu. 

Era um labirinto imenso. Assustadoramente belo. Caminhou por ele por horas. Por dias. Por anos. Já não se sabia. Perdera-se totalmente de si. Não sabia mais como voltar. Não sabia se ainda tinha saída. Sabia que precisava continuar a percorrer o labirinto. Seu labirinto. Ela era a saída. Entregou-se à escuridão, ao mais profundo se si. Lá, neste lugar jamais antes visitado, estava ela. Parecia tranquila. Não tinha pressa. A esperava há tanto tempo. Sabia o encontro. Sabia-se encontro. Se olharam no mais profundo silêncio. Nenhuma palavra poderia profanar o Sagrado que era encontrar a si.




lunes, 16 de marzo de 2020

Se

Se fosse Sim?
Se nos encatássemos um com o outro?
Se andássemos de mãos dadas pelo tempo?
Se nos soubéssemos com uma simples mirada?
Se tivéssemos certeza do sentir que nos liga?
Se a simples existência do outro fosse motivo de alegria?
Se nos permitíssemos Ser com o outro sem prisões?
Se nos entregássemos em abraços e beijos?
Se gozássemos muito e sempre?
Se o Amor estivesse aqui?
Seria Sim? Sem se?
Sim.

viernes, 7 de febrero de 2020

Dizeres

Há tempos se conheciam. Se sabiam desde a palavra. Da palavra escrita. Ela, a palavra, permitia o sentir. O estar próximo. O toque. Sim, o toque. Se tocavam desde a palavra. Toques suaves, sensuais. Não se sabiam de outras maneiras. Imaginavam como seria o cheiro um do outro. Como seria a voz. Como seria a palavra falada. Esse não saber, os envolvia em um mistério quase erótico. Numa doce obsessão do querer mais. Num desejo imenso de se revelar. De se dar ao outro. De se dizer.
Em uma noite chuvosa, ela precipitou-se a ele e, num ato de coragem, decidiu revelar-se. Revelar-se da maneira mais bela que um Ser pode mostrar-se a outro: leria para ele uma Poesia.
Trêmula, pegou o livro e se pôs diante do computador. E, sentindo-se completamente nua, leu para ele numa profunda entrega. Num profundo gozo:

"Lo que me gusta de tu cuerpo es el sexo.
Lo que me gusta de tu sexo es la boca.
Lo que me gusta de tu boca es la lengua.
Lo que me gusta de tu lengua es la palabra."
                                             (Julio Cortázar)





















jueves, 23 de enero de 2020

É preciso silêncios



-"Oi, que bom que você veio! Não, não te esperava. Claro, que estou surpresa! Entra, pode entrar. Senta. Que tomar algo? "
-"Água?"
-."Muita água, em você, não é? A sua maneira de ser me lembra o movimento das águas, águas mansas. Você é suave. Chega deslizando e vai entrando onde encontra frestas e de repente, sem que se perceba, a gente se inunda. E é gostoso. É terno. É prazeroso. Sentir você."
 - "Que viagem! É que sou assim. Vivo nas nuvens. De vez em quando desço para ter com os outros. Para Ser. Se me assusta? Muito. Por isso deixo sempre a porta aberta. Se acaso..."
-"Engraçado, que agora aqui com você, mesmo com a porta aberta, não tenho vontade de ir. Sinto uma imensa vontade de ficar. Você? Não te assusta ficar? Não? Imaginei. Tem que ter muita coragem pra ficar. Sinto uma espécie de vertigem. Forte, isso. Intenso."
-"E agora o que se faz? Não tenho a vivência do ficar. Ficar dói?"
- "Não? É só silenciar e sentir?"
-"É, preciso silêncios..."


lunes, 16 de diciembre de 2019

O Poema Sou Eu

O poema sou eu
Que renasço sempre como uma Fênix.
Que sei ser água profunda, terra firme, fogo acalentador e ar, às vezes  brisa, às vezes vendaval.

O poema sou eu
Que não vivo pela metade. Sou profundamente. Sinto intensamente. Amo insanamente.

O poema sou eu
Que Sou confiança. Sou aconchego. Acolho. Cuido. Sou uma linda canção de ninar.

O poema sou eu
Que Sou Mulher e não temo o meu gozo. O reverencio. Que sei de mim. Que caminho sobre o abismo das paixões pelo simples prazer de caminhar.

O poema sou eu
Que sou uma em tantas e tantas em uma. E, que me sei, Sendo.

O poema: Sou Eu.

lunes, 12 de noviembre de 2018

Sobre a loucura

No palco escuro havia uma cesta. De dentro da cesta ouvimos uma voz, uma voz de uma mulher, uma mulher velha, pedindo para que a tirem de lá, pois precisa respirar, precisa se mover, precisa sair daquele lugar fechado. Uma mão de um homem destapa a cesta e a retira desse lugar escuro. Trás a mulher velha à luz, lhe dar vida. Parece até que a manipula. Mas não. Ela lhe toma a vida que lhe pertence e por um breve momento nos permite conhecê-la, nos permite viver com ela sua velhice, seus prazeres, suas dores. Nos faz rir, nos faz pensar. Nos emociona com sua presença. Mas, só por um breve momento, pois a mesma mão que a retira da cesta, agora quer que ela volte para dentro da cesta, que ela deixe de ser ela mesma e se resigne a este lugar que lhe cabe. Junto com ela dizemos não. Não volta, fica. Não permita que ele lhe faça isso. Mas aí ela nos lembra que ela é somente uma boneca, um ser sem vida e quem dar vida a ela é ele. E nos sentimos tão impotentes. Ela não. Ela com toda a sua dignidade de boneca, decide que sim, vai voltar pra cesta mas não porque ele assim o decide e sim porque ela assim o determina, assim o quer. E nós na platéia, ficamos pensando quem deu e dá vida a quem. Será que estamos todos loucos? 




Foto: acervo Sesi Bonecos do Mundo
Texto em homenagem ao espetáculo "A Velha" de Horácio Peralto/Bululu Teatro