As mãos... Como, para ela, carregam os traços de um homem. Aprendera, desde muito cedo, a conhecer um homem pela suas mãos, pela sensação que provocava em sua alma, o toque dessas mãos.
De menina, quase nunca tocou as mãos de seu pai, mas lembra que elas eram ásperas, pesadas, grandes, firmes. Passou muito tempo acreditando que todos os homens deveriam ter mãos assim. Numa espécie de obsessão, passou a buscar as mãos de seu pai nos homens que ia conhecendo pela vida. Nesse conhecer, foi desconhecendo as mãos que tão pouco lhe tocou, tão pouco lhe afagou. E talvez por negação, começou a preferir os homens de mãos suaves, mãos ternas. Apesar de não dispensar a firmeza. O homem precisa ter mãos firmes para amparar sua mulher e impedir que ela caia nos abismos de sua própria alma.
Pensava sempre que sensuais podem ser as mãos de um homem... Quantas possibilidades carregam... Que marcante é o movimento que elas fazem no ar quando eles falam... Como dizem deles...
Das mãos que conhecera, as que mais lhe marcaram a alma, foram as de seu professor de piano. Em seu primeiro dia de aula, ficou fascinada com a leveza as quais elas se deslizavam pelo piano. Que ágeis que eram ao tocar cada tecla, como conheciam e eram íntimas de cada uma. Uma intimidade quase sexual. Experimentava sensações, sentires indizíveis ao vê-las tocar. Seu professor, o dono das mãos, tinha um ritual que sempre seguia. Ele chegava diante do piano, sentava-se. Tocava com muita delicadeza a tampa do teclado, levantava-a, retirava o pano que cobria as teclas, deslizava suavemente suas mãos sobre elas e começava a explorá-las, a tocá-las uma por uma... Aos poucos uma música ia tomando o ambiente, enchendo de sons sua alma. Esse ritual, entre as mãos e as teclas, povoou suas noites durante muito tempo. Tinha febres, delírios. Imaginava-se o piano.
Um dia, como num sonho, em uma dessas aulas, as mãos dele tocaram as suas. Precisava, ele, ensinar-lhe sobre intensidade. Ela não podia crer que aquelas mãos, agora tocavam as suas, deslizavam sobre os seus dedos e, ternamente, ensinavam-lhe a sentir a música. Que intensos eram os toques de suas mãos. Quantos sentires lhe provocava... Quantos. Eram toques d’alma... Como aprendeu, ela, de intensidade...
Foram muitas, depois desse dia, às noites intensas, onde se (com)fundiam seu corpo com as teclas, as teclas com seu corpo... Não se sabia mais onde começava um e terminava o outro. A música que compunham era puro silêncio.
Mas a vida tem acordes dissonantes, faz parte da harmonia. E eles, apesar de músicos, não se deram conta. Não compreenderam. Não estavam preparados para esses sons tão fortes. Partiram. Nenhum som mais restou. Ela, desde esse dia, nunca mais tocou, era sua maneira de guardar luto. O tempo passou... Passou levando todas as lembranças. O único que não levou foi a certeza que reconheceria, assim como uma cega, o toque destas mãos, no decorrer do tempo.
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